Ao classificar como cobrança ilegal da Energisa a retomada de ICMS sobre a TUSD, a 4ª Vara Cível de João Pessoa considerou abusiva a exigência retroativa de 2017 a 2021, proibiu negativação e corte, fixou R$ 50 mil por dano moral coletivo e determinou ajustes nos sistemas da empresa.
os boletos, reconhecendo a prática como abusiva à luz do Código de Defesa do Consumidor e das regras da Aneel. A decisão também impõe danos morais coletivos de R$ 50 mil, a serem destinados ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (FEDC), e determina que os canais de atendimento e os sistemas informatizados da empresa passem a refletir, de forma clara, a suspensão definitiva da cobrança. Cabe recurso.
O que ficou decidido e quem é abrangido
A sentença, assinada nessa quinta-feira, 30/10, pelo juiz José Herbert Luna Lisboa, julgou procedente a Ação Civil Pública 0851930-07.2024.8.15.2001, proposta pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) por meio da promotora Priscylla Maroja. O entendimento central é que a cobrança ilegal da Energisa, efetuada de maneira administrativa e retroativa, violou normas de proteção ao consumidor, inclusive a Resolução Normativa 1.000/2021 da Aneel.
Com a decisão, a empresa fica proibida de enviar boletos apartados para recuperar valores de ICMS sobre a TUSD fora do limite temporal regulatório, bem como de adotar medidas de cobrança invasivas, como inscrição em cadastros de inadimplentes e corte de energia. A restituição deverá ser paga em dobro, com atualização monetária, a todos os consumidores de geração distribuída que pagaram o que a Justiça reconheceu como indevido.
O magistrado também confirmou a tutela de urgência que desde agosto de 2024 já suspendia a cobrança e seus efeitos, reforçando que se trata de um serviço essencial prestado em regime de concessão, sujeito ao regime de proteção consumerista e setorial.
Como surgiu a cobrança retroativa e por que foi considerada abusiva
Segundo o MPPB, a controvérsia teve origem em 2021, quando a empresa reconheceu, por denúncia espontânea à Secretaria de Fazenda da Paraíba, um erro administrativo na interpretação do Convênio ICMS 16/2015, que havia estendido indevidamente a isenção do ICMS aos encargos de TUSD para clientes de geração distribuída entre 2017 e 2021. A partir daí, a distribuidora ajuizou Ação de Consignação em Pagamento, fez depósito judicial de R$ 16,7 milhões em favor do Estado e, já em 2024, passou a cobrar administrativamente os consumidores para reaver os valores.
Para o Ministério Público, essa iniciativa violou o artigo 323, inciso I, da Resolução Normativa 1.000/2021 da Aneel e o artigo 6º, inciso III, do CDC, pois a regulação limita a recuperação administrativa de faturamentos incorretos a apenas três ciclos de faturamento anteriores, exigindo via judicial para períodos maiores.
Em manifestação citada no processo, a promotora Priscylla Maroja afirmou: “A Resolução da Aneel limita a cobrança administrativa por faturamento incorreto a apenas três ciclos de faturamento imediatamente anteriores ao ciclo vigente, vedando, portanto, a exigência extrajudicial de débitos que se estendem por quatro anos. Além disso, é flagrante a falta de transparência da Energia, pois os valores foram cobrados mediante boleto apartado, sem a apresentação de memória de cálculo detalhada e individualizada que permitisse ao consumidor conferir a origem e a exatidão da dívida, violando o direito básico à informação clara e adequada”.
Fundamentos legais, alcance e próximos passos para consumidores de energia solar
Ao analisar o caso, o juiz José Herbert Luna Lisboa ressaltou que o exercício de eventual direito de ressarcimento deve observar a regulação do setor e as garantias do CDC. Em suas palavras: “Não se pode permitir que a distribuidora, sob o pretexto de exercer um direito de regresso, ignore as garantias mínimas necessárias para proteger a parte mais vulnerável da relação.
A conduta da Energisa incorreu em prática manifestamente abusiva, nos termos do artigo 39, VIII, do CDC, por prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor para impor-lhe o pagamento de débitos pretéritos de natureza complexa. A mera emissão de um ‘boleto apartado’ não desvincula o procedimento de ressarcimento da atividade essencial da concessionária e não serve como subterfúgio para escapar das regras regulatórias que visam equilibrar a relação, especialmente a regra temporal.
Ao cobrar débitos de quatro anos (setembro/2017 a junho/2021) por via administrativa extrajudicial, a Energisa suprimiu a proteção temporal mínima conferida ao consumidor, surpreendendo-o com um ônus financeiro concentrado e desproporcional. A regulamentação do setor determina que, para débitos superiores a este prazo, a concessionária deve buscar o ressarcimento exclusivamente pela via judicial. A cobrança administrativa retroativa promovida é, portanto, ilegal e abusiva”.
Na prática, isso significa que, reconhecida a cobrança ilegal da Energisa, os consumidores de energia solar paraibanos que pagaram os boletos devem ser ressarcidos em dobro, com correção. Já aqueles que não pagaram não podem ser negativados ou sofrer corte de energia por conta dessa cobrança específica, e a empresa precisa ajustar seus sistemas e canais para sinalizar a suspensão definitiva.
A promotora Priscylla Maroja destacou o alcance da decisão: “Essa é uma decisão importante e de abrangência aos consumidores que utilizam energia solar em todo o estado da Paraíba. O Ministério Público está vigilante para coibir qualquer tipo de violação pela Energisa, às normas do Código de Defesa do Consumidor e da Aneel, garantindo que o direito do consumidor seja uma realidade em nosso estado”.
Embora a decisão seja clara ao coibir a cobrança ilegal da Energisa no âmbito administrativo, o processo ainda cabe recurso. Até lá, valem as determinações judiciais: suspensão definitiva da cobrança retroativa de ICMS sobre a TUSD, respeito ao limite de três ciclos de faturamento para cobranças administrativas e observância do CDC e da regulação da Aneel para qualquer tentativa de recuperação de valores.